Parece tarefa fácil, mas não é! O mundo a que nossas crianças e jovens têm acesso oferece poucas oportunidades de contato com o simples. Mas como a escola pode ajudar?
Antes de mais nada, é preciso não confundir “simples” com “simplista”. Temos, sim, que trabalhar com as crianças e jovens a questão da valorização das “coisas simples”. De que forma? Dando menos! E dar menos não está relacionado a menor qualidade — muito pelo contrário, implica em oferecer maiores possibilidades de relações e escolhas.
No cotidiano escolar, também damos coisas às crianças sem prepará-las para receber, para saber cuidar. Casos de vandalismo são muito comuns, e não apenas nas periferias, como muitos pensam. O consumo desenfreado e a necessidade de posse nos dão a falsa sensação de competência, proximidade e atenção. Temos que ensinar as crianças, inclusive, a assistir TV com mais qualidade e com filtros. Não costumamos promover a reflexão em nossas crianças e jovens sobre o “menos”, o “simples”.
Pesquisadores de Infância apontam que as crianças que têm acesso a materiais menos
estruturados tornam-se pessoas mais criativas, fl exíveis e se relacionam melhor.
Pensemos em uma situação concreta: escolas promovem estudos do meio (momentos de estudo fora da escola). Estas seriam boas oportunidades para exercitar o “viver com menos”. No entanto, vocês já repararam no tamanho da mala que os alunos levam? Observem as escolhas que eles fazem em relação ao que deve ser levado. A brincadeira que fazemos ao recebê-los não é bem uma brincadeira... é um alerta: “Nossa! Quantos meses você vai fi car fora de casa?” Muitos deles não são capazes sequer de carregar a própria mala, lotada de coisas, recheada pelas suas próprias escolhas e, pior, com a validação da família! Está comprovado: 85% das coisas que eles levam, não são usadas... Mas, na hora de arrumar a mala, vem o costumeiro “E se eu precisar?” Levar i-pod, celular, dinheiro a mais do que o combinado, são todas decisões que a criança não costuma fazer sozinha — ela é, na maioria das vezes, incentivada pela própria família, que sempre quer o melhor para seus filhos, é claro!
A escola, por sua vez, deve escolher destinos que proporcionem a ampliação do repertório de seus alunos. Não tem sentido planejar programas convencionais, levá-los a lugares aonde podem ir com a própria família. Há sempre um grande ganho nestas saídas quando são bem planejadas: ao lado dos amigos, os jovens topam mais aventura, voltam para a escola com saudade do que viveram e com muitas histórias para contar. Isso certamente é enriquecedor e... simples!
Para as crianças menores, praticar o simples também é muito saudável. Nada de transformar as escolas infantis em “buffets” cheios de brinquedos aos quais as crianças podem ter acesso fora da escola. Escolas têm que dar às suas crianças oportunidade de criar, experimentar e de ousar. Como? Dando-lhes acesso aos chamados “brinquedos não estruturados”: caixas de papelão, pedaços de madeira de diversos tamanhos, tampas, tecidos e tudo aquilo que proporcione oportunidades de autoria. As crianças são capazes de nos surpreender com a sua capacidade de criação! Elas podem brincar por horas com materiais muito simples, sem pilha, que não falam nem têm luzinhas coloridas piscando. Podem acreditar! Pesquisadores de Infância apontam que as crianças que têm acesso a materiais menos estruturados tornam-se pessoas mais criativas, flexíveis e se relacionam melhor.
Escolher o conceito de simplicidade para ser refletido no universo da escola significa educar no sentido mais amplo da palavra. Signifi ca dar aos alunos algo que não está previsto nos livros escolares, porém não menos importante e necessário.
Famílias e escolas: tragam este conceito para dentro de seus espaços, para perto de suas crianças e jovens. Mas é bom lembrar que só se deve propor algo para os outros quando faz sentido para nós mesmos. Assim, vale a pena refletir: “Quanto exercito a simplicidade em minha vida?” Afinal, as crianças também aprendem pela referência e pela observação!
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Claudia Siqueira atua há 20 anos na área de Educação. Historiadora, pedagoga, pós-graduada em “Aperfeiçoamento de docentes de Educação Infantil e Ensino” (PUC), pós-graduada em “Pedagogia de Projetos e Tecnologias Educacionais” (USP), Magistério com especialização em Educação Infantil.
Apresentou projetos de educação no Japão, EUA, América Latina e Europa. csiqueira03@gmail.com.
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